quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

NARRADOR

     Em Memorial do Convento é maioritariamente heterodiegético, quanto à presença, e omnisciente, quanto à ciência/focalização. No que respeita à sua posição, não raro profere juízos de valor, opiniões, comentários e divagações pelo que, neste caso, é subjectivo.
Há, no entanto, momentos em que o narrador empresta a sua “voz” a diversas personagens, adoptando deste modo o seu ponto de vista (focalização interna): e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus… (V); e, eu, patriarca, debaixo dele… (XIII); E eu, vosso rei, de Portugal, Algarves e o resto… (XIII)

     O estatuto do narrador assume, por vezes, atitudes aparentemente contraditórias: por um lado, há uma tentativa de aproximação à época retratada não só através da reconstituição do ambiente vivido, mas também do vocabulário usado; e, por outro lado, há um distanciamento do narrador, perceptível no recurso a prolepses, à ironia e a uma actualização ao nível da linguagem. (por exemplo, a narração do cerimonial respeitante aos encontros sexuais entre o rei e a rainha (I), apesar de retratar o ritual próprio da época, reveste-se de extrema ironia, o que evidencia um narrador distanciado do tempo histórico apresentado.
     No que diz respeito a actualizações ao nível do vocabulário, o narrador não só utiliza termos usado num tempo posterior ao da diegese, como os que se prendem com a aviação; mas também procura explicitar conceitos que, na actualidade, sofreram alterações como é o caso da denominação das refeições: passou a manhã, foi a hora de jantar, que é este o nome da refeição do meio-dia, não esqueçamos (VIII).
     Trata-se, assim, de um narrador que se movimenta entre o passado, o presente e o futuro; detentor de um vasto conhecimento que lhe permite controlar a acção e as personagens.
O narratário surge no interior da narrativa, como entidade fictícia, a quem o narrador se dirige, explícita ou
implicitamente. É, portanto, o destinatário da mensagem do narrador.
Ao longo do romance, há momentos em que transparece a ideia de que o narrador participa na acção – Já passámos Pintéus, vamos no caminho… (XXII) – e outros em que o narrador envolve igualmente um tu, através do uso da primeira pessoa do plural que ora assume contornos de um eu nacional e/ou colectivo – nem parecemos aquele país civilizado… (X) – ora se trata claramente de uma interpelação a um narratário a quem dirige a sua mensagem – Blimunda não nos ouve, saiu já de casa (XXIV).